EP3: Investindo Consciente - parte 1

Você "tem estômago" para suportar o risco?

Este artigo é o primeiro de uma série de episódios sobre como avaliar empresas para investir. Encontrar ativos de qualidade é um processo crucial para investidores, gestores e analistas financeiros, pois permite conhecer o valor real de uma empresa e tomar decisões informadas sobre investimentos e estratégias de negócios. A seleção de bons ativos pode fazer com que se obtenha melhores resultados ao longo do tempo.

Checklist

O checklist abaixo será chamado Mimex Framework, com os seguintes passos a serem explorados em artigos futuros:

  1. Conheça o seu Perfil de Risco

  2. Selecione alvos corretos

  3. Avalie se a empresa existe

  4. Avalie fatores qualitativos

  5. Avalie fatores quantitativos

  6. Decida se o ativo é elegível

  7. Defina o preço justo do ativo

  8. Opere o ativo

No primeiro artigo desta série, que é bastante longa, abordaremos o primeiro tema, que é conhecer o seu perfil de risco.

1. Conheça o seu Perfil de Risco

Por que começar um checklist por um perfil de risco?
Porque nem todos sabem do que são capazes, no bom e no mau sentido. O perfil de uma pessoa muda com o tempo, de acordo com as condições, objetivos, idade etc. Portanto é sempre importante reavaliar o seu perfil para saber se está de condizente com o que está investindo ou no que pretende investir.

Se você não sabe quanto risco é capaz de tomar, deveria deixar o assunto investimento um pouco de lado para aprender um pouco mais sobre si mesmo(a).

Quem é você? 

Para responder essa pergunta, é preciso ser um pouco socrático. Querofonte (Χαιρεφῶν), visitou o oráculo de Delfos e perguntou à sacerdotisa (pitonisa) se havia alguém mais sábio do que Sócrates. O oráculo respondeu que ninguém era mais sábio do que o seu amigo. Ao retornar para Atenas, Querofonte transmitiu a mensagem a Sócrates, que passou a vida inteira tentando contestar o oráculo, pois não se julgava detentor de conhecimento algum. Essa sua luta, foi traduzida na conhecida frase:

Só sei que nada sei.

Sócrates

Sócrates procurou várias pessoas consideradas sábias em Atenas, para que pudessem ajudá-lo a conhecer a verdade. Mas com o tempo, depois de inúmeros questionamentos, percebeu que ninguém sabia de nada também. A frase de Sócrates está diretamente relacionada com a inscrição do oráculo: “conhece-te a ti mesmo”. Quem segue o método socrático, busca autoconhecimento e consciência da própria ignorância.

Quando a sua carteira de investimento é uma folha em branco, a primeira coisa a se fazer é isso mesmo… Conhecer a si mesmo e do que é capaz. Responda as próximas três questões mentalmente:

  • Qual o seu perfil de risco? Conservador, Moderado ou Agressivo?

  • Qual o seu nível de conhecimento sobre os ativos que você quer investir?

  • Quanto você é capaz de tolerar o risco?

Os questionários das corretoras são longos e subjetivos, pois quase todo o mundo se acha mais arrojado e esperto do que realmente é. Há o cumprimento de uma exigência legal - com o enquadramento do perfil, eles tentam descobrir se o investidor sabe o que está fazendo, quanto de risco é capaz de suportar, tentam evitar que um acidente aconteça e, finalmente, se resguardam no caso de perdas graves.

Uma notícia não muito boa que tenho para lhe dar é que o risco existe em todo o lugar, até mesmo onde você acha que está mais seguro.

Vamos refazer esse questionário de risco novamente?

  • Você investe ou já investiu em caderneta de poupança? Você se sentia seguro? 

    Numa crise sistêmica profunda, que é improvável mas nunca impossível de ocorrer, o FGC (Fundo Garantidor de Crédito) pode não ter recursos para garantir todos os depósitos. Ele cobre até R$ 250 mil por CPF por conglomerado financeiro e o valor é limitado em R$ 1 milhão, a cada período de 4 anos.
    Se você estivesse com, por exemplo, R$ 3 milhões investidos na poupança de único banco, teria capacidade de mensurar esse risco?

  • Você investe ou já investiu em títulos públicos (Tesouro Direto)? É um investimento seguro para você?

    Há uma falácia de que os títulos públicos são isentos de risco. Além do risco soberano (calote do governo), que também é pouco provável mas nunca impossível, vamos considerar um risco oculto que poucos conseguem perceber: suponha que estamos em 01/2024 e investimos numa LTN (Letra do Tesouro Nacional) com a taxa de 10% e vencimento para dois anos. Pagamos por esse título na compra:

    PU = R$ 1000 / (1 + 0,10) ^ (504/252) = R$ 826,44


    Agora vamos supor que a Selic no mês seguinte subiu para 12%. Você teria ficado feliz ou triste com essa notícia? Pense agora que ocorreu um imprevisto qualquer e precisamos liquidar essa operação antes do vencimento. Quanto o nosso título passou a valer na hora da venda?

    PU = R$ 1000 / (1 + 0,12) ^ (484/252) = R$ 804,40

    Se a taxa Selic continuasse em 10%, nosso título valeria:


    PU = R$ 1000 / (1 + 0,10) ^ (484/252) = R$ 832,72

    Ocorreu uma perda de 2,66% num único mês ou R$ 22,04 (R$ 804,40 - R$ 826,44). Pode parecer pouco, mas se você continuasse repetindo erros como esse durante o ano inteiro, perdendo nessa taxa mensal, em um ano você teria perdido o equivalente a 37,14% do seu patrimônio investido. Um risco macroeconômico (aumento na taxa de juros) causou o que chamamos de Marcação a Mercado.
    Se tivesse investido neste título público, você teria consciência completa de que isso poderia acontecer?

Conseguiu mensurar os dois riscos apresentados? 
Caso positivo, meus parabéns, pois a maior parte do povo brasileiro teria deixado passar. Se nesses ativos, que são simples, já existem riscos implícitos, quem dirá o perigo de ações, derivativos e contratos de futuros? Quem faz isso sem saber, está literalmente brincando com fogo - cedo ou tarde vai se queimar.

Todas as outras classes de ativos (Renda Fixa, Imóveis etc) não são isentas de risco. Ele sempre está presente em maior ou menor grau e o problema é que mesmo os investidores experientes nem sempre conseguem detecta-lo ou saber quando está presente.

Uma pessoa inconsciente de risco, pode por em xeque as economias de toda uma vida. Mesmo com controle de risco, é possível que o perigo nunca se manifeste ou seja mensurado com facilidade - é sempre assim: quando se ganha, foi graças à sua inteligência e capacidade. Quando perde, foi culpa da sorte. Tudo vai bem até o dia em que as coisas dão errado.

A falta de controle, ou um controle deficiente, geralmente é uma das causas para perda de capital ou de rentabilidade. Tal efeito muitas vezes não pode ser percebido, fazendo com que os investidores sintam-se confiantes, expondo-se cada vez mais ao perigo. Só um observador muito experiente tem a capacidade de olhar uma carteira num período de otimismo e perceber risco.

Arrisco dizer que até os profissionais subestimam o risco. Eles usam o modelo CAPM (Capital Asset Pricing Model) nas avaliações dos ativos, que é essencialmente uma equação do primeiro grau, representado por uma reta:

Re = Rf + β(Rm - Rf)

Onde

Variável

Significado

Re

Retorno exigido (ke)

Rf

Ativo livre de risco

β (beta)

volatilidade

Rm

Retorno de mercado

(Rm - Rf)

Também chamado de prêmio de mercado

O CAPM tenta determinar uma relação entre risco e retorno do ativo. Se considerarmos o investimento mais seguro no mercado brasileiro, um título público, temos a taxa livre de risco (Rf). Vamos supor que essa taxa seja de 6% ao ano. Um ativo mais arriscado deveria bonificar o investidor com uma taxa de retorno maior por causa do risco que está se sujeitando. Isso é o que o modelo propõe, mas não é o que acontece na prática todas as vezes. O prêmio de risco de mercado (Rm - Rf) é esse prêmio esperado. Se esperamos um ganho de 3% acima dessa taxa livre de risco, o retorno esperado do mercado deve ser de 9%:

(Rm - Rf) = Prêmio de Mercado
(Rm - 6%) = 3%
Rm = 9%

Falamos sobre Re, Rm e Rf e falta agora só entender o que é o beta (β). Ele é a covariância do ativo em relação ao iBovespa. Muitos afirmam que é o risco do ativo, coisa que é muitas vezes difícil de concordar… Mas isso é um assunto para uma próxima discussão. Vamos traçar um gráfico do Retorno Esperado (Er) pelo beta com base no Rf de 6% e no Rm de 9% proposto no exemplo anterior:

Re = 0,06 + beta x 0,09

Se o investidor não fizer simplesmente nada e colocar o seu dinheiro num título público (risco presumido nulo, quando beta = 0,00), receberá um retorno de 6% sem esforço. E conforme se arrisca em investimentos mais voláteis, espera que esse suposto retorno seja maior. Tudo o que está sobre ou acima desta linha, gera um retorno satisfatório para o investidor e tudo o que estiver abaixo dela gera frustração. Exemplos:

1) Conforme o gráfico, um ativo que tem um beta de 1,00 (varia de forma igual ao iBovespa) e rendeu 18% ao ano, gerou uma relação de risco-retorno satisfatória.

2) O ativo escolhido tem um beta de 2,00 e rendeu 18% naquele ano. Mesmo com um retorno maior do que a taxa livre de risco (Rf = 6%), foi insatisfatório para o investidor, pois o pedágio pago para o risco que correu era um rendimento de 24%.

Nos próximos dois gráficos, traçamos o CAPM de outra forma: o Retorno Esperado (Re no eixo Y) em função do Retorno de Mercado (Rm no eixo X).

Neste primeiro gráfico vemos um mercado normal, onde os investimentos menos arriscados, como títulos públicos, ficam na parte de baixo da curva. As ações aparecem no meio da curva e o Venture Capital, que é altamente arriscado, em empresas não listadas e startups, fica no outro extremo. A percepção do risco é bem clara e podemos perceber a inclinação da curva, dada pelo ângulo beta.

Mercado Saudável (Normal)

Agora vamos supor que o otimismo tomou conta de todos e o cenário mudou em poucos meses. A relação de risco continua exatamente a mesma, afinal os negócios são os mesmos de antes, entretanto os investidores começam a perceber o mercado como sendo menos arriscado:

Mercado de Alta (Bullish)

Quase não se percebe mais a inclinação na curva e, independente do ativo escolhido, a percepção de risco é praticamente a mesma para qualquer investimento, desde o mais conservador até o mais arriscado.

Por que investir num Título do Tesouro se existe outro investimento que rende muito mais?

Otimista

O problema é saber que investimento bom é esse, pois todos eles parecem seguros do mesmo jeito! Num mercado de alta (bullish), o beta percebido nos investimentos arriscados é muito menor do que realmente é. Investidores otimistas enxergam a linha do CAPM praticamente horizontal. Beta igual a 0,00 = sem beta = sem risco. Essa é uma questão que considero mais psicológica do que matemática.

Se você já está ciente de risco e ainda assim quiser investir em Renda Variável, então seguimos para o próximo passo, que é ter uma Reserva de Emergência, que eu gosto de chamar de Reserva de Sobrevivência.

Reserva de Sobrevivência

O que é a reserva de sobrevivência?

É uma reserva guardada em caixa ou equivalentes (CDB de banco grande ou Tesouro Selic) de alta liquidez, que pode ser convertida rapidamente em dinheiro para atender você e a sua família no caso de uma emergência como a perda de emprego, doença, acidente ou qualquer imprevisto.

Qual o tamanho dessa reserva?

Depende do estilo de vida e das necessidades de cada pessoa, mas uma regra geral é cobrir as despesas do investidor pelo período de seis meses ou mais.

Por que ter uma reserva é importante?

Ter uma reserva é importante porque a Renda Variável está sujeita a muita oscilação e em vários momentos seus investimentos apresentarão resultados ruins. Se o tiver um imprevisto e for usar o dinheiro investido para atender suas necessidades imediatas, vai precisar vender sua carteira no pior momento possível, quando deveria estar comprando mais ações e aumentando a sua carteira. Isso pode machucar seu patrimônio e causar uma experiência amarga na Bolsa de Valores. Renda Variável é para o longo prazo e o investidor deve alocar apenas uma parte do seu dinheiro em ações, que sabe que não precisará tão cedo.

Se você estiver endividado(a), deve quitar as suas contas antes de começar a investir. Caso não saiba como resolver esse problema sozinho, procure um planejador financeiro de confiança, que possa auxiliá-lo(a).

Se você não deve nada, mas também não tem uma reserva de sobrevivência, deve começar pela formação dela. Deixe para investir só depois da reserva constituída, quando julgar ter o suficiente para o caso de uma necessidade.

Quitar dívidas Formar Reserva Investir 

Avalie se você tem estômago e tempo para isso

Investir em empresas e operar na Bolsa (B3) depende de conhecimentos elementares que muitas vezes os investidores não detém. Além de saber reconhecer riscos e analisar ativos, outro exemplo é saber declarar o imposto de renda e a tributação dos investimentos. Por mais que os influenciadores digitais digam por aí que é fácil, você precisa formar uma cultura para investir. Isso pode ser feito aos poucos, enquanto você aprende a teoria e ganha experiência.

Nem todos estão dispostos a formar tal cultura ou mesmo praticar, pois são coisas que dependem de tempo e esforço para acontecer, concorrendo com interesses e necessidades pessoais. Não há nada de errado com isso, afinal faz sentido investir numa carreira e num bom emprego, especializando-se cada vez mais para obter renda melhor. Se você não tem tempo para se dedicar às finanças e acredita em especialização, procure também um especialista, profissional honesto, certificado (CFP), capaz que possa auxiliá-lo no seu processo de investimento. Mas caso tenha interesse em adquirir mais cultura sobre o assunto, continue buscando informações de fontes confiáveis. Você deve desenvolver o seu próprio senso crítico, em vez de seguir outras pessoas.

Espero oferecer alguma coisa útil para a sua jornada, dividindo um pouco do que aprendi ao longo dos anos e também porque escrevi uma simulação próxima da vida real, um jogo que é uma “mini bolsa de valores” chamado mimex (Micro Market Stock Exchange). Enquanto acompanha esta série, você pode treinar sem arriscar dinheiro de verdade. Nosso país só evoluirá quando as pessoas trocarem conhecimento de uma forma verdadeiramente generosa, fazendo com que a cultura brasileira floresça cada vez mais em todos os aspectos.

Aprendendo mais

Tem interesse em saber mais sobre perfil de risco e como ele é importante?

Acesse aqui este trabalho acadêmico que aprofunda mais sobre o tema.

Leituras Recomendadas

Até o próximo episódio!

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